"Por que as crianças hoje são tão malcriadas e
os adolescentes tão agressivos?"
A pergunta mexeu com todos. Alguns
aplaudiram, outros deram risada (solidária, não irônica), e pareceu correr pela
sala uma onda de alívio: o problema não era a dor secreta de cada um, mas uma
aflição geral. Minha resposta não foi nada sofisticada. Saltou espontânea de
trás de tudo o que li sobre educação e psicologia: "Porque a gente
deixa".
E a gente deixa porque talvez uma
generalizada troca de papéis nos confunda. Por exemplo, a que ocorre entre
público e privado. Vivemos uma ânsia de expor o que pensamos sobre os outros,
achando que nos resguardamos da opinião alheia. No entanto, essa é uma forma de
botar a cara na janela, tornar-se cabide dos fantasmas alheios – uma verdade
mais contundente do que imaginam os que nunca se debruçaram em nenhum parapeito.
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Quando pequena, numa cidade do
interior, era engraçado no fim da tarde, no sobrado de meus avós, subir numa
banqueta e, cotovelos apoiados em almofadas, ficar olhando pela janela o que se
passava na rua. Até que descobri que eu é que estava sendo olhada: eu me
expunha. Eu, tímida e assustada, era personagem, não plateia. E a janela perdeu
a graça.
Filhos malcriados e agressivos... O problema
da autoridade em crise não é do vizinho, não acontece no exterior, não é
confortavelmente longínquo. É nosso. Parece que criamos um bando de
angustiados, mais do que seria natural. Sim, natural, pois, sobretudo na
juventude, plena de incertezas e objeto de pressões de toda sorte, uma boa dose
de angústia é do jogo e faz bem.
Mas quando isso nos desestabiliza, a
nós, adultos, e nos isola desses de quem estamos ainda cuidando, a quem devemos
atenção e carinho, braço e abraço, é porque, atordoados pelo excesso de
psicologismo barato, talvez tenhamos desaprendido a dizer não. Nem distinguimos
quando se devia dizer sim. Estamos tão desorientados quanto esses que têm
vinte, trinta anos menos do que nós. Assim é instalada a inversão, e esta pode
ser bem dolorosa.
Muitas vezes crianças são
excessivamente malcriadas e adolescentes agressivos demais porque têm medo. Ser
insolente, testar a autoridade adulta, quebrar a cara e bater pé, tudo isso faz
parte do crescimento, da busca saudável de um lugar no mundo. Mas não ter
limites é assustador. Ser superprotegido fragiliza. O mundo é informe quando se
está começando a caminhar por ele: quem poderia sugerir formas, apontar
caminhos, discutir questões, escutar e dialogar está tão inseguro quanto os que
mal acabaram de nascer.
Teorias mal explicadas, mal digeridas e
mais mal aplicadas geraram o medo de magoar, de afastar, de "perder"
o filho. A fuga da responsabilidade, o receio de desagradar (todos temos de ser
bonzinhos) aliam-se ao conformismo, o "hoje em dia é assim mesmo".
Ninguém mais quer ser responsável: é cansativo, é tedioso, dá trabalho, causa
insônia. Queremos ser amiguinhos, mas os filhos precisam de pais. E, intuindo
nossa aflição, esperneiam, agridem, se agridem – talvez por não confiarem o
suficiente em nós.
Ter um filho é, necessariamente, ser
responsável. Ensinar numa escola é ser responsável. Estar vivo, enfim, é uma
grave responsabilidade. Não basta tentar salvar a própria pele nessa guerrilha
social, econômica, ética e concreta em que estamos metidos. Trata-se de ter ao
menos um pequeno facho de confiança, generosidade e experiência, e colocá-lo
nas mãos das crianças e dos jovens que, queiram eles ou não, se voltam para nós
– antes de se voltarem contra nós.
Lya Luft